maio 17, 2014

O capitalismo vive do passado e tende a devorar o nosso presente



"Pode-se reconhecer no capitalismo uma religião. 
Isto é, o capitalismo serve essencialmente à satisfação de preocupações, tormentos e inquietudes aos quais outrora davam resposta as chamadas religiões”.
Walter Benjamin


O problema do mundo actual passa, no essencial, pela capacidade que possui o capitalismo para "anular" e esvaziar as alternativas e as diferenças, para "o passado tender a devorar o presente e o futuro", como diz justamente Thomas Piketty no seu livro "O Capital no séc. XXI". 

Algo que nos devia fazer pensar. 

E é justamente essa capacidade, o ruminar sobre essa "capacidade", que deve constituir o ponto de partida para novas formas de pensar e agir, a partir de uma visão de "esquerda".


"O mecanismo que explica a desigualdade e que a mostra ser intrínseca ao capitalismo é um mecanismo de acumulação patrimonial, portanto um mecanismo pelo qual", como diz Thomas Piketty, “o passado tende a devorar o futuro”: não só o rendimento sobre o capital tende a crescer em percentagem em relação à totalidade do rendimento nacional, como as fortunas que eram maiores no passado tendem a tornar-se ainda maiores no futuro" comprometendo todo o nosso futuro, reproduzindo assim esta "religião".  

Apliquemos esta forma de pensar ao CASO PORTUGUÊS. Deve-se encarar o que faz o nosso governo, e a direita em geral, não como uma aberração ou irracionalidade, mas como a verdade, antes obscena, do capitalismo, a sua autêntica face. Uma face que já não necessita de se disfarçar porque já nos assimilou, já nos religou de tal forma que nem os mais radicais no discurso parecem escapar a essa assimilação. 

Daí a impotência da esquerda tradicional que se deixa arrastar para o discurso moral ou "realista". De facto, a esquerda que temos cada vez mais se deixa enredar nesta teia tão sábia e longamente tecida. A esquerda que se conhece em Portugal cada vez mais vive ela própria num passado que devora o seu presente e o seu futuro.

É nas margens que se encontra a alternativa, fora da lógica partidária que não vê nem sente a vida real deste país. Existe ma rebelião silenciosa, invisível para a maioria dos media tradicionais (anestesiados) mas que alastra como uma onda imparável. O mundo está grávido de um outro mundo. O que vemos em Portugal é a manifestação das dores de um parto doloroso. 



Fonte

João Constâncio, "Thomas Piketty e O Capital no Século XXI, in Jornal Público, 16 de Maio 2014. Disponível em:

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