agosto 30, 2003





Deleuze e os bebés


"É talvez pelo personagem conceptual do bebé que Gilles Deleuze mostra talvez da forma mais profunda essa relação da vida imanente ao pensamento. A vida, na sua relação mais singular com um pensamento impessoal encarna-se na figura do bebé. Ele é inteiramente singularidade pré-individual, anterior a todas as manifestações do subjectivo. Todos os bebés se assemelham mas mostram expressões que os atravessam completamente, como um sorriso ou uma mímica. Essas expressões são as manifestações de uma vida que percorre e que singulariza, sem individualizar, o bebé. Essa anterioridade do subjectivo deixa o bebé num indefinido que não pertence senão ao sensível. Ele não é sensivelmente indeterminado sem ser ao mesmo tempo determinado como objecto sobre o plano de imanência, isto é, como consciência pré-reflexiva sem ego [moi]. Ele pertence, pois, ao campo transcendental sem consciência. Ele é um puro acontecimento que percorre todo o campo [p. 265].

O bebé assume também a forma mais típica das vontades de potência. Ele opõe-se ao guerreiro cuja função é apenas a de destruir e de dominar. O guerreiro, nessa forma mais baixa da vontade de potência, aplica ainda um julgamento. Ele reparte as partes e, nessa distribuição, age segundo um princípio de julgamento. O bebé não reparte as partes, mas, antes, as percorre de forma nómada. Nesse aspecto o bebé é o grande desterritorializado. Ele salta as cercas, ultrapassa os limites e não distribui, nunca, as partes, fundamento da faculdade de julgar. O guerreiro é grande enquanto o bebé é pequeno" [p. 271].

Stéfan Leclercq. "Deleuze et les bébés". Concepts. Número fora de série sobre Gilles Deleuze. Janeiro de 2002. Sils Maria Édition, Paris: 258-273. [tradução de Tomas Tadeu da Silva]
in
  • http://www.ufrgs.br/faced/tomaz/im_criancas.htm