novembro 21, 2005

DOENÇA Edmundo Cordeiro

DOENÇA

Edmundo Cordeiro

Os acontecimentos? Dar conta deles (eis como "dar conta" quer aqui dizer "dar cabo", isto é, "dizimar" os acontecimentos) do ponto de vista histórico implica a atribuição das propriedades da sucessão temporal à existência. Temos assim como consequência a desapropriação do presente, a redução do passado a um facto, um "em si" desligado do presente - a anulação, pois, do não-histórico, do não-histórico que se opõe ao histórico, e que é, nos termos de Nietzsche, origem da história.

Nietzsche: "Um fenómeno histórico pura e completamente conhecido e reduzido a um facto epistemológico, morreu para quem o conheceu, porque nele descobriu a ilusão, a injustiça, a paixão cega e, de uma maneira geral, toda a sombria aura terrestre do fenómeno, ao mesmo tempo que a sua importância histórica. E esta importância torna-se impotente para o sábio, mas não talvez para o que está vivo." (Friedrich Nietzsche, CONSIDERAÇÕES INTEMPESTIVAS)
Sobrevem, então, a "doença histórica". É o resultado da sobreposição do sentido histórico em relação à vida (em relação ao não-histórico, vida = não-histórico): "há um grau de insónia, de ruminação, de sentido histórico que prejudica o ser vivo e que acaba por destrui-lo, quer se trate de um homem, de uma nação ou de uma civilização." (IBIDEM)

O conhecimento histórico é, pois, contraditório. Contraditório tanto com a história em acto ou a realizar, quanto com a acção passada. A vida humana é histórica, mas a sua força histórica, a sua capacidade de acção e perpetuação, vem de algo que não é histórico


in:

http://urbi.ubi.pt/010612/edicao/_op_edmundo.html