dezembro 04, 2012

"Contos bárbaros" do pintor Paul Gauguin


Fragmento da pintura "Contos bárbaros" do pintor Paul Gauguin (1902).



Uma imagem, criada com o meu iphone, que representa um fragmento da pintura "Contos bárbaros" do pintor Paul Gauguin pintada em 1902, no final da sua vida. 

"Representa a dos mujeres indígenas sentadas y con el cabello adornado por flores. Detrás de ellas, un hombre pelirrojo vestido con un traje malva, cuyos rasgos recuerdan a los del pintor simbolista Jacob Isaac Meyer Haan. Les rodea una naturaleza con una bruma gris, flores y árboles." in http://es.wikipedia.org/wiki/Cuentos_b%C3%A1rbaros 


"Contos bárbaros"? O que haverá de bárbaro na imagem? O olhar do pintor? Haverá algo de sinistro na sua "mirada"? De diabólico, de bárbaro? A figura detrás quase estilizada como uma máscara do Carnaval de Veneza, numa pose em que olha directamente o pintor por detrás da tela, faz um jogo de contraste com as duas figuras femininas despidas. A primeira mulher quase andrógina está meditando como num asana de yoga com os pés em cruz com um olhar intenso e ausente, algo triste. Mas de onde exala um forte carácter, tranquilo. A segunda, mais feminina, está descontraída ignorando totalmente o personagem masculino.


jpn

Uma dançarina, de costas para o público, sentada sobre uma antiga Unidade Central de Processamento...




"Uma dançarina, de costas para o público, sentada sobre uma antiga Unidade Central de Processamento (CPU). Braços atados a teclados, pés atados a teclados. Cabelos presos por um fio. Esta imagem introduz um dos planos de coevolução entre hu
manos e máquinas, explorado no espetáculo de dança contemporânea Móvel (2011) que integra processos de criação em dança como experimentos de pesquisa com o objetivo de pensar relacionalidades entre humanos e não/humanos." 


in Danielle Milioli e Dolores Galindo, "EXOEVOLUÇÕES ENTRE CORPO E MÁQUINAS: SOBREVIVÊNCIA NA E À DANÇA", 
ANAIS DO II CONGRESSO NACIONAL DE PESQUISADORES EM DANÇA – ANDA

Comitê Interfaces da Dança e Estados do Corpo – Julho/2012,
in http://www.portalanda.org.br/anais_2012/4/COMUNICACOES-ORAIS/DANIELLE-MILIOLI-DOLORES-GALINDO.pdf

outubro 20, 2012

Muitos daqueles que encaramos como doentes mentais são aqueles que estão mais próximos da sua autenticidade.

"As organizações têm formas de o convencer, e é sempre na base do suposto bem comum, de horizontes mais vastos ou, quando essa argumentação falha, na base da ameaça velada, mas o nosso náufrago não se deixa convencer facilmente: a sua bússula interior resiste à manipulação exterior, por mais elaborados que sejam os argumentos. E se não estiver em condições de não obedecer, adoece: dores de cabeça, úlceras, fobias, ataques de pânico, neuroses, estados depressivos.

Precisamente: muitos daqueles que encaramos como doentes são aqueles que estão mais próximos da sua autenticidade. E muitos daqueles que consideramos saudáveis, porque se adaptam sem questionar às normas e práticas das organizações, são incapazes de sentir a dor do desamparo, incapazes de sentir empatia e compaixão. A sua estrutura, digamos assim, formou-se a evitar essa dor muito precoce, identificando-se, para se defender da vulnerablidade do desamparo, com o vencedor. Como se a vida passasse a ser uma questão de ganhar ou perder, vencer ou falhar. Como se as pessoas não fossem por natureza frágeis e vulneráveis, contraditórias e paradoxais, mas apenas vencedores ou falhados, os “nossos” e “os outros”. É evidente que aqueles que se regem por esta lógica do poder irão sentir-se atraídos pelo poder e vemo-los em organizações, em lugares de gestão ou a gravitar à sua volta.

Pensem então por momentos nas implicações desta realidade: quem encontramos em lugares de poder, de exercer o poder, de decidir pelas nossas vidas, são muitos daqueles que se regem por normas e práticas alheias às nossas vidas, e, no limite, contra as nossas vidas. Dito assim, é assustador, não é? Agora tentemos transpor tudo isto para o que se está a passar no ocidente, sobretudo EUA e Europa. O que é que estes gestores do poder político e económico andaram a fazer? E o que é que insistem em continuar a fazer? A jogar com as nossas vidas, as vidas de pessoas reais, carne e ossos, sentimentos e emoções. Percursos e expectativas reais. Se as respeitassem diziam-lhes a verdade. Se as respeitassem reconheciam os erros e mudavam de rumo".

outubro 13, 2012

Conversas ecosóficas: a política obscena


Richard Drew/Associated Press


Há algo de obsceno na política que nos governa neste começo de século. Há, ao mesmo tempo, uma sensação de impunidade geral que alastra como uma gota de azeite. De onde virá esta obscenidade que suporta a impunidade e escandaliza os mais autênticos e puros?

Como funcionam a lei e todas as instituições surgidas com o grande feitiço que possui a sociedade ocidental desde há uns 2 ou 3 séculos? Como funciona nos bastidores? 

Pois, desiludam-se os que pensavam que estamos sendo governados por seres com ética. É um mundo obsceno. Que não vê. 

A obscenidade que permite que o putativo futuro presidente do FMI (Strauss-Kahn, se a memória não me trai), acusado de violação, fosse encarado com uma vítima. "Pobre dele, pensam alguns, apenas fez algo de normal em qualquer patriarca ocidental". O jogo da ambivalência, da mentira suave que entranha a visão mercantil do mundo. Será que este ex-director do FMI, mais tarde demonizado, se distingue no essencial dos seus colegas? Não, não é uma questão individual. Qualquer um, vivendo nestes meios institucionais, possivelmente não resistiria à atracção do uso impune do poder. É um grande afrodisíaco que, como o escritor Eduardo Galeano denunciou, permite que alguns milhares de pessoas, nas instituições e nas grandes corporações, controlem efectivamente a economia mundial sem se submeterem a eleições ou discussão democrática. É uma qualidade geral do vírus que Marx denominou, justamente ou não, capitalismo. E é o que sustenta, em última instância, toda esta encenação diária.

Uma pista que talvez ajude. É a própria matriz desta forma de produzir socialmente, forma mercantilizada avançada e imaterializada, que é, em si mesma, desde o seu nascimento por volta do século XVIII, obscena e cruel. A mercadoria foi o meu primeiro momento deste grande feitiço colectivo como muito bem viu o atento Karl Marx. A crueldade que nos leva a não ver a força de trabalho na mercadoria e no seu corolário virtual, o dinheiro e o capital. Uma forma de cegueira que o "capital" cria. Que a economia clássica aprofunda e legitima. Sem problemas pois são os que mais ganham com o "feitiço" colectivo. É, sem qualquer dúvida, uma cegueira muito bem ensinada e, pior, interiorizada que permite um sono sem culpas. As palavras do pensador Slavoj Zizek não poderiam ser mais adequadas para ver que o engano do FMI não é, na sua essência, um engano. É uma obscenidade.

Palavras do pensador Slavoj Zizek: "... o complemento obsceno como a outra face da lei [e de todas as instituições sociais, acrescento eu]. Se observarmos qualquer estrutura normativa, vemos que, para se manter, esta estrutura tem de depender de certas regras não escritas, tácitas, e que como tal devem permanecer; estas regras têm sempre uma dimensão obscena. O exemplo típico que dou é o da comunidade militar na qual, a um certo nível, há um conjunto de regras explícitas (hierarquia, modos de procedimento, disciplina, etc.), mas, para que estas regras explícitas funcionem necessitam de um complemento obsceno: quer dizer, todas as regras obscenas não escritas que mantêm uma comunidade militar - "graçolas sujas" sexistas, rituais sádicos, ritos de passagem, etc. - Todo aquele que fez o serviço militar sabe que a disciplina militar no seu conjunto se mantém em última instância graças a este reverso obsceno." Slavoj Zizek"Arriesgar lo Imposible. Conversaciones con Glyn Daly, Madrid, Ed. Trotta, 2006, p. 123 (trad. de Vitor Manuel Oliveira Jorge). 

Agradeço a Vítor Manuel Oliveira Jorge o acesso a este texto.

setembro 26, 2012

Portugal necessita urgentemente de uma outra troika




O post de Pedro Rodrigues Costa no Facebook de 25 de Setembro de 2012 : 

"Não vejo maneira de sairmos deste estado de coisas neste país. Os arautos que todos os dias desfilam na TV fazem uma campanha quase ao nível da propaganda salazarista para favorecer a via única de pensamento (os mass-media não estão nada isentos de culpa do estado actual do país). Desde o Camilo Lourenço até ao Bagão Félix, do Marcelo Rebelo de Sousa ao Marques Mendes, da RTP à SIC, da SiC Notícias à TVI24, são sempre os mesmos a vender receitas e a construir opiniões. Mais grave: são os mesmos, ou a mesma cartilha, que nos colocaram aqui, e agora ainda dão sugestões."


Caro Pedro Rodrigues Costa

É um prazer ler um texto inteligente e bem escrito. E que, ainda por cima, acerta no alvo. Em Portugal, estamos sendo governados por empregados de escritório burocratas robotizados. "Entregou-se ao gestor de números", seres que sofrem da grave enfermidade chamada quantofrenia, "o governo das pessoas e das culturas!"


Como diz um bloguista anónimo, F. Nogueira, "não sei se já se aperceberam, mas a quantofrenia está a enlouquecer-nos. Convirá talvez dizer, para aqueles que deixaram de estudar à saída da escola, seja primária, secundária ou superior, que “quantofrenia é uma visão unicamente quantitativa, na qual toda a concepção das qualidades desaparece”. O que importa são os números, não a realidade que representam. É uma moda importada, porque modas nossas temos poucas". http://sabordabeira.blogspot.com.es/2012/03/quantofrenia.html


Para caracterizar este Portugal estranho de começos do século XXI, a inspiração surgiu-me a partir de um texto do escritor e poeta Fernando Pessoa, escrito na segunda ou terceira década do século XX, sobre os vários tipos de portugueses

Refere, se bem me recordo, essencialmente três.

1 - Os obreiros, camponeses e parte da classe média que actualmente, tendo uma origem operária ou rural, se contenta com um trabalho imaterial, um emprego seguro, frustrante e sem ambições. Que sempre foram explorados e que têm, apesar de serem uma enorme maioria, horizontes limitados pelo seu silêncio e raiva improdutiva. 
 São, na sua maioria, indignados envergonhados e impotentes que apenas "ladram" e depois clicam no "gosto" do Facebook que critica o Coelho ou o Relvas mas não se dão à chatice de se misturarem com os manifestantes (selvagens para muitos deles). Os que, sem o saberem conscientemente, se submetem diariamente a doses infernais de intoxicação voluntária de TV e outras "drogas" legais (Portugal é o país campeão, na Europa, no consumo do anti-depressivo Prozac). A apatia e o respeito, um pouco ressentido, e a amabilidade postiça são a sua marca. Encontram-se arredados dos governos votando sob a influência das paixões ou de impulsos não racionalizados que os media e o marketing controlam. Ser ou votar num partido parece-se um pouco à fé que suporta a adesão clubística no futebol. Não admira, por isso, que, do ponto de vista da ciência política, sejamos o país mais previsível do mundo. E, de algum modo, somos sempre governados pelos mesmos, por um centrismo cada vez mais tecnocrata e acéfalo. Alguém me pode dizer qual a diferença real que separa um Sócrates de um Passos Coelho? Ou de um esforçado mas pouco convincente António José Martins Seguro. Na descrição clara do filósofo José Gil, os portugueses deste tipo, com medo da inveja real que caracteriza as sociedades patriarcais mediterrânicas, parece que têm medo de existir. Talvez o caso português, o caso de um país semi-periférico "estranho" como dizia o conhecido sociólogo português Boaventura Santos na década de 80, seja um osso mais duro de roer do que se imagina. 

2 - Os dirigentes e intelectuais estrangeirados que reproduzem as modas estrangeiras de forma acrítica e sem os adaptarem efectivamente à nossa idiossincrasia. Inspirado no filósofo do Maio de 68 em França, G. Deleuze, diria que, nesta forma de estar no mundo, há algo de "frénico" que receia a sua diferença e o seu eu profundo. São, usando como mote a figura de Cavaco Silva, rapazinhos bem comportados e exemplares procurando sempre a aprovação do "pai" "Europa" ou, agora, a TROIKA. Exemplos dados por Fernando Pessoa: desde o Marquês de Pombal com o seu absolutismo radical, passando pelos liberais e românticos do século XIX, aos republicanos da maçonaria de 1910 que ainda dominam muito dos políticos do centro, aos comunistas ortodoxos inspirados numa utopia que se transformou num pesadelo e, por fim, aos cínicos do neo-liberalismo de Cavaco Silva, Sócrates (em parte) e o nosso actual primeiro ministro Passos Coelho. Socialmente este tipo constitui a base de recrutamento para deputado, ministro e líder de partidos políticos maioritários. "Grande parte das classes médias superiores, certa parte do povo e quase toda a classe dirigente" (usando as palavras de Fernando Pessoa). O problema não está em ser estrangeirado. Está, segundo Pessoa, em ser um estrangeirado provinciano que quando fala com um inglês, francês ou alemão parece ter vergonha de dizer que é português.

E, por fim, 3 - os sonhadores realistas e pragmáticos que, embora sendo críticos do provincianismo congénito de muitos portugueses, vêem os ditos "defeitos" como potencialidades, como diferenças que se podem, se bem administradas, potenciar: a nossa preguiça, o nosso sentido de comunidade, a nossa capacidade de aventura e de improvisação, etc. Consiste em sublinhar que aquilo que parece um veneno, num contexto de crise, pode ser o remédio, o phármakon de que falavam os gregos antigos.    
 Sonhadores que inspiram, de algum modo, os novos líderes surgidos dos movimentos sociais das redes sociais como o Facebook. São os seres, muitos ainda jovens (e não apenas na idade cronológica), que, segundo Pessoa, continuam, maioritariamente "navegando no novo mar da" internet animados pelo sonho dos nossos primeiros investigadores que criaram, segundo o filósofo do séc. XVII Francis Bacon e todos os historiadores da ciência, as bases da ciência moderna como utopia de conhecimento e interculturalidade. Que estão na base de utopias como as concretizadas na América Latina por alguns dos nossos intelectuais (ver o caso notável do nosso Padre António Vieira, defensor dos indígenas e um ecologista avant la lettre).
 Embora fossem humanistas e defensores de uma lógica de diálogo e argumentação próxima das ciências sociais e da literatura, eram também homens de acção que transformaram a utopia em real. Que assumiram, como defende o filósofo Gilles Deleuze, que tudo é virtual, mesmo a realidade mais objectiva, tudo é sonho que se activa pela acção séria e comunitária. Usando a linguagem pessoana: "Deus", no sentido galáctico e panteísta, "quer, o homem sonha e a obra nasce". 
 O Sonhador da era digital será, em grande medida, uma mescla de um Agostinho da Silva utópico e imaginativo com um jovem animador político hacker pragmático da internet. Na verdade, a crise do sistema nomeadamente o escolar e o desemprego estão a deitar cá para fora milhares de potenciais sonhadores realistas que, com lucidez, devem evitar cair nos erros dos seus pais. Podem, de certa forma, como dizia Pessoa, fazer cumprir o sonho dos nossos antepassados valentes e sábios que deram novos mundos ao mundo, uma nova cosmovisão.

Recriando o diagnóstico de F. Pessoa, Portugal necessita urgentemente de uma outra troika. 

A troika, a servir de guia a um governo de sonhadores pragmáticos, teria três "medicamentos" para usar de forma incisiva e com energia: imaginação controladaactos emocionais políticos com um fundo ético (mas nunca moralista) e capacidade de improvisar organizadamente.

1 - É necessária e urgente uma imaginação controlada que não recusa de forma infantil, no seu todo, a economia de mercado. Mas que, ao mesmo tempo,  não assume os seus dogmas e a sua crueldade. Muitos dos livros recentes na área da economia exprimem um sintoma desta transformação que mostra os limites do modelo "neo-liberal" de desenvolvimento. Alternativas emergem por todos os lados em micro-experiências que poderão, pouco a pouco, ser alargadas a outras áreas da actividade humana. 
 A esquerda mais radical deveria abandonar o seu complexo de édipo infantil assumindo-se como uma alternativa clara de governo sem se ficar pelas margens folclóricas do capitalismo. Isso não quer dizer que se devam abandonar esses temas. Inspirados na sabedoria popular, no tão desprezado senso comum como dizia o sociólogo Boaventura de Sousa Santos, deve-se ter a noção de que um radicalismo demasiado acentuado pode matar o doente com o seu remédio.


2 - Actos políticos em que a emoção, a compaixão no seu sentido nobre serve de guia sem se deixar dominar por paixões e fanatismos perigosos com conotação de "esquerda" ou "direita". Assumir que não há decisões apenas racionais e que a emoção deve assumir uma forma essencialmente ética mas nunca moral seguindo assim o que nos dizia há séculos atrás o grande filósofo ateu, filho de portugueses, Bento de Espinosa. Compaixão autêntica pelos desempregados reais, pelos idosos que vivem com pensões no limite da vida; casais jovens com esgotamentos psicológicos e crianças subnutridas, ter consciência das agressões no ambiente, e na nossa psique, provocadas pelo modelo mercantil de vida, respeitar a natureza tendo uma consciência cada vez mais planetária como era o caso de alguns dos nossos primeiros navegadores etc, etc. Esta consciência deve constituir o fundo obrigatório das decisões políticas mais importantes obrigando os políticos a justificar-se em público. É claro que esta utopia realista necessita de  novos media não subjugados e jamais acéfalos. Imitar um pouco a sensibilidade emergente de um político como Lula da Silva com medidas como o Banco Alimentar, Marina Silva (candidata ecologista nas presidenciais do Brasil com 20% dos votos) e muitos outros políticos não "redondos" como diz justamente o escritor uruguaio Eduardo Galeano (ver vídeo no final). 
 E, finalmente,

3 - usar a nossa conhecida capacidade de improvisação (muitas vezes denegrida de forma masoquista pelos estrangeirados de esquerda e direita) para a potenciar sem nos deixarmos levar pelo facilitismo. Improvisação organizada ou o que algumas teorias organizacionais definem, de forma negativa, como uma "anarquia organizada" e negociada mas com pontos fortes de decisão de forma a evitar a negociação instável. Desburocratizar ainda mais a sociedade (um dos êxitos dos governos Sócrates) valorizando as lógicas de rizoma, descentradas como as redes na net, na inovação social. Agilizando ainda mais as relações da sociedade civil com a função pública e o Estado. Mas não caindo na lógica brutal do "menos estado" a todo o custo. Tentar consensos mas de forma assertiva e incisiva negociando duramente com os interesses da banca e das organizações empresariais. E, acima de tudo, potenciar os recursos de saber das Universidades e instituições emergentes em que a formação e a investigação se assumem de forma activa e participada. Recusar a loucura da tecnocracia cega inspirada nas obras da construção civil e na euforia informática. Ter em conta que, por exemplo, Portugal está na vanguarda nas inovações comunitárias auto-sustentáveis induzidas em grande parte por jovens europeus imigrantes descontentes com o modelo de vida neo-liberal da Europa Central. 


É necessário e urgente, para conseguirmos sobreviver como entidade independente e saudável, dar lugar a esses sonhadores-improvisadores realistas (verdadeiros inovadores sociais gestalticos, usando a linguagem empresarial da economia) com a sua "medicina". Talvez seja a hora de retirar o governo desta comunidade territorial chamada Portugal aos "estrangeirados" que sempre se venderam às modas europeias ou norte-americanas baseadas na crença no racional e na quantidade, ou seja, o paradigma da economia clássica. Necessitamos de sonhadores pragmáticos como de água para a boca. 


Talvez seja a hora, glosando Fernando Pessoa, de Portugal se cumprir como utopia planetária.



Um abraço

José Pinheiro Neves


Inspirado essencialmente na obra de Fernando Pessoa e do filósofo francês Gilles Deleuze. O livro de Fernando Pessoa que me inspirou neste manifesto foi: Sobre Portugal. Introdução ao problema nacional, Lisboa, Ática, 1979.

Também me baseei em muitas leituras e diálogos no Facebook e em dezenas de blogues, quase todos de anónimos, que por vezes consulto. Finalmente, destaco, sem qualquer ordem de mérito e esquecendo infelizmente muitos, as conversas com os sociólogos Pedro Rodrigues Costa e Esser Jorge Silva, alguns livros do Padre António Vieira, do filósofo do Maio de 68, Gilles Deleuze, do escritor uruguaio Eduardo Galeano, do filósofo José Gil, do sociólogo e comunicólogo Moisés de Lemos Martins, do sociólogo Boaventura de Sousa Santos, do pensador das novas formas de ser na Internet, Pedro Andrade, do referido Pedro Rodrigues Costa, de Esser Jorge Silva e naturalmente textos da minha autoria dispersos por livros e artigos.



O post de Pedro Costa no Facebook de 25 de Setembro de 2012 : 

"Não vejo maneira de sairmos deste estado de coisas neste país. Os arautos que todos os dias desfilam na TV fazem uma campanha quase ao nível da propaganda salazarista para favorecer a via única de pensamento (os mass-media não estão nada isentos de culpa do estado actual do país). Desde o Camilo Lourenço até ao Bagão Félix, do Marcelo Rebelo de Sousa ao Marques Mendes, da RTP à SIC, da SiC Notícia
s à TVI24, são sempre os mesmos a vender receitas e a construir opiniões. Mais grave: são os mesmos, ou a mesma cartilha, que nos colocaram aqui, e agora ainda dão sugestões. A ideia é sempre a mesma: «andamos anos a gastar mais do que o que tínhamos». Por outras palavras, isto quer dizer que temos que equilibrar a balança comercial. Mas agora questionemos: quem é que mais incentivou o consumo desenfreado? Resposta: governos e banca! Quem é que mais gastou acima das posses? Governo e Banca! Quem é chamado para pagar estes erros político-estratégicos? O povo português mais desfavorecido (classes baixas e médias)! O que é que acontece a quem cometeu estes erros e esta gestão danosa espalhada pelo país? Nada! Pelo contrário, ainda tem o prémio de ter lugar cativo nas TVS a sugerir soluções. Mas porque é que estamos aqui? Fundamentalmente, por uma só razão que tudo absorve: entregou-se ao gestor de números a gestão de pessoas e de culturas! Tudo o resto, é consequência da sobreposição do número face ao resto do universo. Onde está uma prova para esta afirmação? Olhem apenas para a Finlândia e para a Suécia, e contem as diferenças na gestão e nas políticas dos últimos 30 anos. Essas tiveram um único objectivo: melhorar a vida das PESSOAS, e não dos números. Conclusão: são hoje 2 dos países mais competitivos do mundo, com salários médios a rondar os 2500 euros e com indicadores de bem-estar geral no topo. Tenho poucas certezas, mas esta é garantida: se é para continuar com soluções orientadas para o cumprimento de números, teremos tudo menos solução à vista. E certamente mais sábados, muito mais violentos, do que o do dia 15!"

agosto 13, 2012

"Pareja" de Monserrat Gudiol







Na imagem, há uma dureza no olhar da mulher que tem, ao mesmo tempo, algo de estranho e algo de "determinado", intenso. Como se houvesse um ponto claro, uma imagem-sentimento que ela transporta e que a anima. O ponto central que anima a dança. Poderia supor-se que talvez fosse raiva ou, porventura, angústia revoltada. Nada disso. É uma força determinada. Ao mesmo tempo, o homem caracteriza-se por uma espécie de carinho. Talvez no sentido anglosaxónico do "take care". Tomar conta. Ter cuidado, carinho e desvelo. Como se ela fosse ao mesmo tempo, uma criança e um ser com milhares de anos.

jpn

agosto 04, 2012

“Reagregando o social: uma introdução à Teoria do Ator-Rede”, do antropólogo francês Bruno Latour


EDUFBA lança o livro “Reagregando o social: uma introdução à Teoria do Ator-Rede”, do antropólogo francês Bruno Latour, em Salvador (06/08/2012)


Em parceria com a Editora da Universidade do Sagrado Coração (EDUSC) e com o Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporânea (PÓSCOM/UFBA), a Editora da Universidade Federal da Bahia (EDUFBA) apresenta a primeira tradução em português do livro Reassembling the Social, de Bruno Latour, com o título de Reagregando o social: uma introdução à Teoria do Ator-Rede. O lançamento integra a programação do Simpósio Internacional A Vida Secreta dos Objetos e acontece nesta segunda-feira, 6, às 19h, no ICBA, em Salvador.

O que vem a ser uma sociedade, o que significa a palavra social? De que modo o rumo de uma sociedade pode ser alterado? As respostas para estas e outras questões são encontradas em Reagregando o social. Neste livro, o antropólogo francês Bruno Latour apresenta a Sociologia de maneira menos antropocêntrica, trazendo os não-humanos ao centro do debate sociológico. O autor acredita que para entender ainda mais o humano é preciso partir da ideia de que os objetos são dotados de agência, ou seja, têm poder de ação.

Além do lançamento de Reagregando o social e de conferência com o autor, o Simpósio conta com uma série de diálogos com outros pesquisadores, nacionais e internacionais, como Graham Harman, Richard Grusin, Siegfried Zielinski, André Lemos, Erick Felinto, Adalberto Müller e Vinicius Andrade Pereira. O objetivo é unir conhecimentos de diversas áreas de estudo, como Comunicação Social, Literatura e Filosofia, promovendo a discussão de temas, teorias e perspectivas metodológicas da pesquisa mundial. 


julho 04, 2012

Ecosofia ou ecologia profunda








O QUE É A ECOSOFIA OU ECOLOGIA PROFUNDA?    

     "A "Ecosofia" é a procura duma forma de vida menos antropocêntrica nas relações do homem com o meio ambiente incluindo o ambiente digital, com a sua mente e com os outros humanos. Trata-se de um campo transdisciplinar de conhecimento e experimentação que integra tanto as ciências humanas, naturais e económicas como a estética e as formas comuns e, muitas vezes, marginalizadas do saber." 

[José Pinheiro Neves]



     O conceito surge em 1972 numa conferência do pensador ecologista norueguês Arne Naess, sendo desenvolvido fundamentalmente por três pensadores: o referido Arne Naess, pai da ecologia profunda, o pós-marxista e psiquiatra Félix Guattari (não esquecendo a contribuição fundamental de Gilles Deleuze) e, mais recentemente, o sociólogo francês Michel Maffesoli.

     Arno Naess definiu a ecosofia da seguinte maneira: "Por Ecosofia eu quero dizer uma filosofia de harmonia ou equilíbrio ecológico. Filosofia como um tipo de sofia ou sabedoria é abertamente normativa, contém normas, regras, postulados, anúncio de prioridades e hipóteses relacionados à situação do universo. Sabedoria é sabedoria política, prescrição, não apenas descrição científica e predição. Os detalhes de uma ecosofia conterão muitas variações devidas a diferenças significativas relacionadas não apenas aos ‘fatos’ da poluição, dos recursos naturais, da população, etc. mas também a prioridades de valores".
in Vários, The Deep Ecology Movement: An Introductory Anthology, Berkeley, North Atlantic Publishers, 1995, p. 52.


     Num livro recente, Michel Maffesoli define a ecosofia como sendo uma forma de  "compreender a metamorfose em curso. Ela que nos faz passar de progressismo (que foi vigoroso, que deu bons resultados, mas que se torna um pouco doentio) para uma progressividade que reinveste em ‘arcaísmos’: povo, território, natureza, sentimentos, humores… que pensávamos ter deixado para trás". 
in Michel Maffesoli, Saturação, São Paulo, Iluminuras, 2010.


     As três ecologias de Félix Guattari: ambiental, social e mental

 "O princípio particular à ecologia [ecosofia] ambiental é o de que tudo é possível tanto as piores catástrofes quanto as evoluções flexíveis. Cada vez mais, os equilíbrios naturais dependerão das intervenções humanas. Um tempo vira em que será necessário empreender imensos programas para regular as relações entre o oxigênio, o ozônio e o gás carbônico na atmosfera terrestre.
Vários, The Deep Ecology Movement: An Introductory Anthology, Berkeley, North Atlantic Publishers, 1995,  p. 52.

 Segundo Félix Guattari, "a ecosofia social consistira em desenvolver praticas especificas que tendam a modificar e a reinventar maneiras de ser no seio do casal, da familia, do contexto urbano, do trabalho, etc."
in Félix Guattari, As Três Ecologias, Campinas, Brasil, Papirus,1990.

 "A ecosofia mental, por sua vez, será levada a reinventar a relação do sujeito com o corpo, com o fantasma, com o tempo que passa, com os ‘mistérios’ da vida e da morte. Ela será levada a procurar antídotos para a uniformização midiática e telemática, o conformismo das modas, as manipulações da opinião pela publicidade, pelas sondagens etc."
Vários, The Deep Ecology Movement: An Introductory Anthology, Berkeley, North Atlantic Publishers, 1995, p. 52.
    
Definição de ecosofia

 Segundo André Bürger,  é a busca duma dimensão ecossistêmica e não mais antropocêntrica das relações do homem com o meio ambiente, com a sua mente e com os outros humanos. Trata-se de um campo de conhecimento que integra as ciências humanas, naturais e económicas. 

     Definição inspirada em André Bürger, "Ecosofia, redes digitais sustentáveis e os efeitos da tecnologia no homem moderno", Disponível em: http://envolverde.com.br/ambiente/artigo/ecosofia-redes-digitais-sustentaveis-e-os-efeitos-da-tecnologia-no-homem-moderno/ [acesso em 15/05/2011]- Publicado originalmente no Nós da Comunicação e retirado do site Plurale.


     Inspirado no trabalho de Félix Guattari, Gilles Deleuze e Michel Maffesoli, sugiro uma definição mais ampla e abrangente: 

     "A "Ecosofia" é a procura duma forma de vida menos antropocêntrica nas relações do homem com o meio ambiente incluindo o ambiente digital, com a sua mente e com os outros humanos. Trata-se de um campo transdisciplinar de conhecimento e experimentação que integra tanto as ciências humanas, naturais e económicas como a estética e as formas comuns e, muitas vezes, marginalizadas do saber." 

José Pinheiro Neves



Texto inspirado (nomeadamente as citações) em: