fevereiro 07, 2006

Actos de Cinema. Crónica de um Espectador - Entrevista

Edmundo Cordeiro
Actos de Cinema. Crónica de um Espectador
Angelus Novus, 2005

Sobre o livro

Tratar-se-á verdadeiramente de imagens no cinema? Não sabemos. Um grande crítico de cinema, Serge Daney, dizia que aquilo a que pomposamente se chama «essência» do cinema é o que faz com que haja filmes idiotas quando os contamos e emocionantes quando os vemos. Pode inverter-se a proposição: os mais interessantes filmes contados podem tornar-se nada interessantes ou mesmo idiotas ou nulos quando os vemos. Qualquer coisa se passa quando os vemos, qualquer coisa se passa onde os vemos.

Isso tem tudo que ver com a arte e o talento dos autores dos filmes. Mas também com aquilo que o cinema é, com aquilo que o cinema faz. O que é que nos toca num filme? O que é que um filme faz connosco? O que é que pedimos aos filmes? Para Gilles Deleuze, cujo pensamento estético guiou as páginas deste livro, o cinema instaura um processo de auto-movimentação e de auto-temporalização da imagem.

É a partir daí que podemos perceber os actos de cinema: o que vamos fazer ao cinema e o que o cinema faz.


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Ver em:
http://www.angelus-novus.com/livros/detalhe.php?id=28
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Breve Entrevista com Edmundo Cordeiro




P - Por que é que escreveu este livro? O cinema é uma paixão?

R - Dizer que o cinema é uma paixão talvez seja verdade, no meu caso e no de muitos. Mas só escrevi este livro porque me interessava saber de que é que essa paixão é feita, o movimento dessa paixão. Por outro lado, tal como me interessa o cinema, também me interessa o pensamento de Gilles Deleuze. Com ele pude aprender a forma de pensar do cinema. Que um filósofo da sua dimensão tenha dedicado dois livros ao cinema isso indica também que a forma de pensar do cinema não é uma coisa só do cinema. Mas, no fundo, eu queria era tê-lo escrito como um investigador negligente, aquele que sabe nada poder saber. Como para isso tem de se saber muito já, fiquei-me por aqui…



P - Depois disto tudo, como definiria o cinema? Imagem-movimento?

R - Não consigo dizer o contrário. Não é de excluir, porém, que tudo isto seja uma ilusão. Mas há uma definição que pode ajustar-se melhor ainda: o cinema é a arte
de amar aquilo que somos e de amar aquilo que não somos.


P - Considera o cinema como uma forma de cultura? Qual a relação entre estes
dois conceitos?

R - O cinema é da cultura, inevitavelmente. Há mesmo cinemas que são unicamente provenientes da cultura. Normalmente a cultura tende a abafar o cinema, a dominá-lo, a torná-lo conforme, pronto a aparecer em enciclopédias e nos jantares onde se fala de cultura... e de cinema. Mas depois há a arte, que pode estilhaçar completamente a cultura. Há uma força no cinema que é completamente anti-cultura, que faz a cultura andar às aranhas. É certo que muitas vezes é recuperado, mas há sempre um dia em que a corrente de ar sopra mais forte.
De qualquer forma, os efeitos férteis do cinema vão muito além da cultura e implicam o pensamento, a percepção e a sensação.


P - Qual o tipo de filmes que prefere? Há algum realizador que tem como
referência?

R - Tudo, tudo, não é o tipo que me faz preferir. Gosto de filmes autênticos e completamente artificiais, filmes verdadeiros, quer me façam rir ou chorar, quer me arrepiem ou comovam, dado que o riso e o choro também se inventam. Talvez Jean-Luc Godard, para não dizer Roberto Rossellini, ou... Jonas Mekas e Philippe Garrel comovem-me muito.


P - Qual a importância da fotografia no cinema? Há alguma distinção entre fotografia e cinema? Há alguma distinção entre a fotografia cinematográfica e a fotografia simplesmente fotografia?

R - A importância é esta, fundamental: é o «instantâneo» que está na origem do cinema.

Apanhar o tempo. Fotografia quer dizer escrita da luz ou escrita com a luz, e cinema quer dizer escrita do movimento ou escrita com o movimento. E depois, no cinema, há o plano (o decorrer do tempo) e a montagem (que é revelação e salto no tempo, e trabalho sobre o plano). Quer dizer, não é a mesma realidade de imagem. Mas ambos os meios são poderosos por igual e detém iguais possibilidades artísticas. Uma coisa não substitui a outra.

A fotografia cinematográfica visa a imagem que passa no ecrã, a fotografia, por seu lado, visa a imagem de uma paragem, visa apresentar uma paragem. Isto é fundamental: são movimentos de criação que obedecem a impulsos distintos, mas necessários. O cinema pode ter-nos libertado de muita coisa, mas não nos «libertou» da fotografia. Não precisávamos da fotografia antes da sua descoberta, mas hoje precisamos de ver fotografias e talvez cada vez mais, mesmo por causa do cinema. O que é fantástico nisto é que nenhuma arte anula outra. Pelo contrário, desenvolvem-se conjuntamente, paralelamente e aparalelamente.


P - Na sua opinião, qual é a atitude do espectador de cinema nos nossos
dias? O que pensa que o espectador espera encontrar quando vai assistir a um
filme?

R - Não deve ser só uma a atitude do espectador. As razões são muitas e cada qual sabê-las-á bem ou não. Pensando numa atitude que pudesse dizer respeito a todo o espectador, diria: a necessidade de sair do seu círculo interior e exterior, uma coisa que o turismo já não parece garantir. Acho que o espectador espera encontrar duas coisas, às vezes separadamente, às vezes juntas. Uma delas, a surpresa. Outra, encontrar o que antecipou.


P - Acha que existe algum tipo de relação entre cinema e psicanálise?

R - Existe, existe. Tem de ser! O cinema deu créditos à psicanálise e esta pôde
investir e tirar daí muitos rendimentos. Às vezes convém não fazer caso disso, porque o «simbólico» pode não deixar ver nada num filme que é para ver. Mas mesmo assim, um grande cineasta como Garrel diz que o cinema é Freud mais Lumière. Mas, claro, Freud não é só o que a cultura fez saber que é.


P - Qual a principal diferença entre cinema independente e o conceito de
cinema de "massas"?

R - Julgo que não podem colocar-se simplesmente em oposição e diria que a principal diferença é mesmo a «massa», o dinheirinho. Quem criou Hollywood foram os «independentes». Não estavam de acordo com o monopólio, quer dizer, precisavam de fazer outra coisa, queriam fazer outra coisa, queriam fazer eles. Uma coisa é certa: o dinheiro é fundamental, mas não é mais ou menos dinheiro que garante a imagem, nem no cinema independente, nem no cinema de «massas».

Ver:
http://www.angelus-novus.com/entrevistas/index.php?id=28