novembro 25, 2006

"Vida nua, vida besta, uma vida" por Peter Pál Pelbart

"Ao reduzir a existência ao seu mínimo biológico, o biopoder contemporâneo nos transforma em meros sobreviventes.

O contexto contemporâneo se caracteriza por uma nova relação entre o poder e a vida. Por um lado, uma tendência que poderia ser formulada como segue: o poder tomou de assalto a vida. Isto é, ele penetrou todas as esferas da existência, e as mobilizou inteiramente, pondo-as para trabalhar. Desde os gens, o corpo, a afetividade, o psiquismo, até a inteligência, a imaginação, a criatividade, tudo isso foi violado, invadido, colonizado, quando não diretamente expropriado pelos poderes. [...]


O corpo

Tomemos a título de exemplo o superinvestimento do corpo que caracteriza nossa atualidade.Desde algumas décadas, o foco do sujeito deslocou-se da intimidade psíquica para o próprio corpo. Hoje, o eu é o corpo. A subjetividade foi reduzida ao corpo, a sua aparência, a sua imagem, a sua performance, a sua saúde,a sua longevidade. O predomínio da dimensão corporal na constituição identitária permite falar numa "bioidentidade". É verdade que já não estamos diante de um corpo docilizado pelas instituições disciplinares, como há cem anos atrás,corpo estriado pela máquina panóptica, o corpo da fábrica, o corpo do exército,o corpo da escola. Agora cada um se submete voluntariamente a uma ascese,científica e estética a um só tempo. É o que Francisco Ortega chama de bioascese (7). Por um lado, trata-se de adequar o corpo às normas científicas da saúde, longevidade, equilíbrio, por outro, trata-se de adequar o corpo às normas da cultura do espetáculo, conforme o modelo das celebridades.

Como o diz Jurandir Freire Costa, a obsessão pela perfectibilidade física, com as infinitas possibilidades de transformação anunciadas pelas próteses genéticas,químicas, eletrônicas ou mecânicas, essa compulsão do eu para causar o desejo do outro por si, mediante a idealização da imagem corporal, mesmo às custas do bem-estar, com as mutilações que o comprometem, substituem finalmente a satisfação erótica que prometem pela mortificação auto-imposta8. O fato é que abraçamos voluntariamente a tirania da corporeidade perfeita, em nome de um gozo sensorial cuja imediaticidade torna ainda mais surpreendente o seu custo em sofrimento.

A bioascese é um cuidado de si, mas, à diferença dos antigos, cujo cuidado de si visava a bela vida, e que Foucault chamou de estética da existência, o nosso cuidado visa o próprio corpo, sua longevidade,saúde, beleza, boa forma, felicidade científica e estética, ou o que Deleuze chamaria a "gorda saúde dominante". Não hesitamos em qualificá-lo, mesmo nas condições moduláveis da coerção contemporânea, de um corpo fascista - diantedo modelo inalcançável, boa parcela da população é jogada numa condição de inferioridade sub-humana. Que, ademais, o corpo tenha se tornado também um pacote de informações(9), um reservatório genético, um dividual estatístico,com o qual somos lançados ao domínio da biossociabilidade ("faço parte do grupo dos hipertensos, dos soropositivos" etc.), isto só vem fortalecer os riscos da eugenia. Estamos às voltas, em todo caso, com o registro da vida biologizada… Reduzidos ao mero corpo, do corpo excitável ao corpo manipulável, do corpo espetáculo ao corpo automodulável, é o domínio da vida nua. Continuamos no âmbito da sobrevida, da produção maciça de "sobreviventes", no sentido amplo do termo."


Sobrevivencialismo

1 - No rastro de Foucault,Deleuze, Negri, Lazzarato e outros, tal mapeamento foi tentado em “Vida Capital”,São Paulo, Iluminuras, 2003.
2 - G. Agamben, "Ce Qui Reste d´Auschwitz", Paris Payot & Rivages, 1999.
3 - J. Améry, "Par Delà le Crime et le Chatiment", Arles, Actes Sud, 1995
4 - P. Levi, “É Isto um Homem?”, Rio de Janeiro, Rocco, 2000.
5 - M. Foucault, "La Volonté de Savoir", Paris, Gallimard, 1976, p 179.
6 - G. Agamben, "Ce Qui Reste d´Auschwitz", op. cit, p. 205.
7- Francisco Ortega, "Da Ascese à Bioascese, Ou do Corpo Submetido à Submissãodo Corpo", in “Imagens de Foucault e Deleuze”, Rio de Janeiro, DP&A,2002.
8 - Jurandir Freire Costa, “O Vestígio e a Aura: Corpo e Consumismo na Moral do Espetáculo”, Rio de Janeiro, Garamond, 2004.
9 - Paula Sibília, “O Homem Pós-orgânico”, Rio de Janeiro, Relume-Dumará, 2002.


Ver aqui o artigo completo:

http://p.php.uol.com.br/tropico/html/textos/2792,1.shlm

novembro 05, 2006

"Os principais estratos que manietam o homem são o organismo, mas também a significância e a interpretação, a subjectivação e a sujeição".

"Os principais estratos que manietam o homem são o organismo, mas também a significância e a interpretação, a subjectivação e a sujeição.

O conjunto de todos eles separa-nos do plano de consistência e da máquina abstracta, precisamente onde já não há regime de signos, mas onde a linha de fuga efectua a sua própria positividade potencial, e a desterritorialização a sua potência absoluta.

Ora, a este respeito, o problema fundamental é inverter o agenciamento mais favorável: fazê-lo passar, da sua face orientada para os estratos, para a outra face orientada para o plano de consistência ou o corpo sem órgãos.

A subjectivação leva o desejo a tal ponto de excesso e de desprendimento que este deve, ou afundar-se num buraco negro, ou então mudar de plano. Desestratificar-se, abrir-se a uma nova função, a uma função diagramática. Que a consciência deixe de ser o seu próprio duplo, e que a paixão já não seja o duplo de um para o outro. Fazer da consciência uma experimentação de vida, e a paixão num campo de intensidades contínuas, uma emissão de signos-partículas. Construir o corpo sem órgãos da consciência e do amor. Utilizar o amor e a consciência para abolir a subjectivação: 'para ser um grande amante, o magnetizador e o catalizador, há que ter sobretudo a sabedoria de não ser mais que o último dos idiotas'.

Utilizar o Eu penso para um devir-animal, e o amor para um devir-mulher do homem. Des-subjectivar a consciência e a paixão. Será que não existem redundâncias diagramáticas que não se confundam nem com os significantes, nem com as subjectivações? Redundâncias que já não seriam nódulos de arborescências, mas sim re-nodulações e prolongamentos num rizoma?

Ser gago da linguagem, um estrangeiro na sua própria língua."

(Gilles Deleuze et Félix Guattari, Capitalisme et Schizophrénie. Mille Plateaux, Paris, Les Editions de Minuit, 1980, pp. 167-168)

É curioso como a árvore dominou a realidade ocidental e todo o pensamento ocidental, da botânica à biologia, a anatomia, mas também a gnoseologia...

"É curioso como a árvore dominou a realidade ocidental e todo o pensamento ocidental, da botânica à biologia, a anatomia, mas também a gnoseologia, a teologia, a ontologia, toda a filosofia...: o fundamento-raiz, Grund, roots e fundations.

O Ocidente tem uma relação privilegiada com a floresta e com o desmatamento; os campos conquistados no lugar da floresta são povoados de plantas de grãos, objeto de uma cultura de linhagens, incidindo sobre a espécie e de tipo arborescente; a criação, por sua vez, desenvolvida em regime de alqueire, seleciona as linhagens que formam uma arborescência animal.

O Oriente apresenta uma outra figura: a relação com a estepe e o jardim (em outros casos, o deserto e o oásis) em vez de uma relação com a floresta e o campo: uma cultura de tubérculos que procede por fragmentação do indivíduo; um afastamento, um pôr entre parênteses a criação confinada em espaços fechados ou relegada à estepe dos nômades.

Ocidente, agricultura de uma linhagem escolhida com muitos indivíduos variáveis; Oriente, horticultura de um pequeno número de indivíduos remetendo a uma grande gama de "clones". Não existiria no Oriente, notadamente na Oceania, algo como que um modelo rizomático que se opõe sob todos os aspectos ao modelo ocidental da árvore?

Haudricourt vê aí uma razão da oposição entre as morais ou filosofias da transcendência, caras ao Ocidente, àquelas da imanência no Oriente: o Deus que semeia e que ceifa, por oposição ao Deus que pica e desenterra (picar contra semear15). Transcendência, doença propriamente européia. E, de resto, não é a mesma música, a terra, não tem aí a mesma música. E também não é a mesma sexualidade: as plantas de grão, mesmo reunindo os dois sexos, submetem a sexualidade ao modelo da reprodução; o rizoma, ao contrário, é uma liberação da sexualidade, não somente em relação à reprodução, mas também em relação à genitalidade. No Ocidente a árvore plantou-se nos corpos, ela endureceu e estratificou até os sexos. Nós perdemos o rizoma ou a erva".

Gilles Deleuze e Felix Guattari, Mil Platôs. Capitalismo e Esquizofrenia. Vol. 1, São Paulo, Editora 34, 1995, p. 84

DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix, Mil Platôs

Gilles Deleuze e Felix Guattari, Mil Platôs. Capitalismo e Esquizofrenia. Vol. 1, São Paulo, Editora 34, 1995

Tradução brasileira de:

Gilles Deleuze, Félix Guattari, Mille Plateaux, Minuit, coll. « Critique », Paris, 1980, 645 p.


Podem ver esta obra "Mil Platôs" (português do Brasil) aqui:

DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Félix - Mil Platôs Vol. 01

DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Félix - Mil Platôs Vol. 02

DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Félix - Mil Platôs Vol. 03

DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Félix - Mil Platôs Vol. 04

DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Félix - Mil Platôs Vol. 05

outubro 29, 2006

Vazio

Talvez esteja demasiado envolvido em assuntos que reproduzem o vazio. Ou tentativas de o encher. Ou pré- encher.

Talvez o problema esteja mesmo neste pré-enchimento. Daí a arte do vazio... Uma arte que podemos aprender com os cães. Henri Bergson dizia que a noção qualitativa de tempo, o tempo que dura no seu vazio-cheio, é facilmente apreendida pelas crianças (antes de carregarem demasiado a cabeça...) e pelos animais.


(Um pensamento que me surgiu numa conversa com uma amiga).

outubro 26, 2006

"O tempo cinematográfico não é o que corre, mas o que dura e co-existe.






















"... Como se pode dizer que um material tão frágil conserva? E que significa conservar, que parece ser uma função bastante modesta?

Não se trata do material, mas da própria imagem: você mostra que a imagem cinematográfica conserva em si, conserva a única vez em que um homem chorou, no Gertrud de Dreyer, conserva o vento, não as grandes tempestades com função social, mas "aí onde a câmara joga com o vento, o antecipa, volta atrás", como em Sjöström ou nos Straub, conserva ou guarda tudo o que possa sê-lo, crianças, casas vazias, plátanos como em Sans toit ni loi, de Varda, e em todo o Ozu, conservar, mas sempre a contra-tempo, porque o tempo cinematográfico não é o que corre, mas o que dura e co-existe".

Gilles Deleuze, Carta a Serge Daney, in "Conversações", Fim de Século


Extraído do blog:
http://last-tapes.blogspot.com/2006/10/le-dur-dsir-de-durer.html

outubro 05, 2006

L'Abécédaire de Gilles Deleuze - Pierre-André Boutang (1996) [PART 2]

Part 2 of the eight-hour series of interviews between Gilles Deleuze and Claire Parnet, filmed by Pierre-André Boutang in 1988-1989. [PART 2]

L'Abécédaire de Gilles Deleuze - Pierre-André Boutang (1996) [PART 1]

The eight-hour series of interviews between Gilles Deleuze and Claire Parnet, filmed by Pierre-André Boutang in 1988-1989. The individual episodes are "A comme Animal," "B comme Boisson," "C comme Culture," "D comme Désir," "E comme Enfance," "F comme Fidélité," "G comme Gauche," "H comme Histoire de la philosophie", "I comme Idée, "J comme Joie", "K comme Kant", "L comme Literature,"M comme Maladie,"N comme Neurologie", "O comme Opéra", "P comme Professeur", "Q comme question," "R comme Résistance", "S comme Style","T comme Tennis","U comme Un", "V comme Voyage", "W comme Wittgenstein, "X & Y comme inconnues," "Z comme Zigzag" (PART 1)

junho 29, 2006

Aprender a pensar ...

Este trecho faz parte do livro: Renato Janine Ribeiro, Por uma nova política. Uma campanha na SBPC (Ateliê Editorial, 2003).


in: http://www.renatojanine.pro.br/Ciencia/pensando.html



Pensando a Nova Política



pensar na frente de outrem.


clarice lispector



"De 1972 a 1975, assisti aos seminários de Gilles Deleuze, na Universidade de Vincennes, perto de Paris, onde o governo francês criara um território para os estudantes mais radicais do pós-1968. Era um espaço livre, mas ao mesmo tempo degradado – no restaurante universitário, por exemplo, como furtassem os talheres, a administração parou de fornecê-los, e só comia quem os trouxesse de casa. O pó às vezes se acumulava nos corredores. Mas as aulas, melhor dizendo, os "seminários" (il n’y a pas de cours! não há aulas, dizia Deleuze, quando lhe perguntavam se podiam assistir a elas) faziam pensar. Um dia, Deleuze elogiou as obras de Carlos Castañeda, antropólogo mexicano que estava em voga pela série de livros sobre um feiticeiro indígena com quem aprendera muito – e, em especial, a ver de uma maneira nova, diferente. (Mais tarde, Castañeda foi acusado de falsificar seus relatos mas, para o que nos interessa, tanto poderia ter escrito um documentário quanto uma obra de ficção; Deleuze também estudou Kafka, e ninguém vai perguntar se "o processo" ocorreu mesmo, e quando). Falou da importância de se aprender com a experiência. Um senhor na sala, o único de terno e gravata, lhe perguntou se por "experiência" entendia o que Husserl chamou de Erlebnis, que numa tradução literal seria "vivência".



Deleuze respondeu que não sabia alemão, que não conhecia Husserl – o que era tudo falso, porque ele era um fino entendedor da história da filosofia; só que, sendo mais um filósofo do que um historiador do pensamento, ele permitia-se esse duplo jogo. Por um lado, um certo charme: fingia uma ignorância que não tinha. Por outro, uma lição bem clara: não estava interessado no pedigree de suas idéias ou no pedantismo de seu ouvinte, mas em pensar a experiência. E concluiu, ante a insistência do senhor esnobe: "Pode definir experiência por vá ver o que está acontecendo, como Carlos Castañeda foi fazer com seu mestre índio". Há, nesse diálogo entre o filósofo e o aluno engravatado, um lado algo coquete. Deleuze não endossaria um vale-tudo com o pensamento. É difícil alguém que passou pela filosofia avalizar uma irresponsabilidade em que qualquer opinião valha. Mas ele também rejeitava uma tentativa de o enquadrarem, ele ainda vivo, como um pensador já canônico, cujas raízes alguém estudaria. Mais que isso, o que lhe importava – e por isso estava em Vincennes, apesar da agressividade de parte dos estudantes da escola, que de vez em quando invadiam as salas de aula, diziam absurdos e, no caso dele, assim o faziam desaparecer por duas ou três semanas – era que suas idéias vivessem.



E por isso, ao pedigree nobre que lhe oferecia o porta-voz do espírito de seriedade, fazendo remontar sua "experiência" à fenomenologia, ele preferia contrapor uma origem de registro quase vulgar. É claro, Deleuze não sabia que talvez Castañeda tivesse mentido. Mas ele recorria à antropologia e não aos clássicos, a um autor do Terceiro Mundo e não da Europa, ao saber de um adivinho e não ao de um acadêmico, ao mundo popular e não ao culto, à empiria e não à dedução. Este é um dos modos, certamente não o único, de nos fazer pensar. Melhor ainda, se combinarmos as duas origens, a culta que Deleuze marotamente ocultava e a vivencial, que ele enfatizava. É o que procuramos, aqui. Relatamos toda uma experiência com a política procurando, ao mesmo tempo, pensá-la. Este projeto não veio do nada. Cada texto, cada passo que demos esteve marcado por anos de reflexão sobre a política. (Algo disto se pode encontrar em meu A Universidade e a vida atual – Fellini não via filmes, ao qual remeto, mas lembrando que são dois livros inteiramente diferentes, até porque o eixo aqui é a questão da nova política).

[...]"

junho 23, 2006

maio 23, 2006

A linguagem com signos (sem serem linguísticos) ultrapassa em muito o ser humano, o símio-homem.

No entanto, gosto da ideia de Benveniste baseada na observação da dança das abelhas. Ou seja, a linguagem dos signos linguísticos é a única que (in)felizmente inclui o discurso indirecto. Daí sempre o seu carácter de tradução do passado e futuro (nunca do presente que já aconteceu). Algo de fora de nós que tende a reificar, a criar abstracções que podem ser tão cruéis como as armas.

Fernando Assunção

Ver este texto sobre a dança das abelhas:

"As abelhas, segundo o experimento de Karl von Frisch, possuem um meio complexo para transmitir a mensagem: a distância e direção de localização do alimento, mas só executam os seus bailados para esse fim. Dizem que há comida, néctar ou pólen, para lá ou para cá, mas fora isso não articulam mais nada. Não há resposta e nem simbolização; a apreensão da mensagem é concreta. Vista a dança transmissora da mensagem por uma abelha, é necessário que essa vá até o alimento para informar a uma nova abelha o local onde ele se encontra. Não há memória da mensagem, a retenção leva a uma ação, à execução de um ato e se esgota aí. A capacidade abstrata do símbolo, ou seja, estar no lugar de outra coisa, representá-la na sua ausência, trazer e construir o pensamento para o outro: essas são propriedades humanas".
in: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-65642004000100020&lng=en&nrm=iso&tlng=pt

abril 26, 2006

Le langage récursif n'est plus le propre de l'homme

--------------------------------------------------------
Le langage récursif n'est plus le propre de l'homme

(Nature) PARIS, 26 avr 2006 (AFP)

La structure récursive du langage, qui permet dans toutes les langues humaines d'inclure à gré des ensembles de mots au coeur des phrases, peut être apprise par des oiseaux chanteurs, alors que l'on croyait que cette caractéristique était le propre de l'homme. L'équipe du chercheur américain Timothy Gentner, de l'Université de Californie (San Diego), a réussi à apprendre à des sansonnets à reconnaître ce type de structure, selon une étude publiée dans la revue scientifique Nature à paraître jeudi. Ces résultats viennent bouleverser la théorie selon laquelle cette structure grammaticale est le seul élément du langage qui soit spécifique à l'homme. C'est la structure récursive qui permet d'enrichir sans fin les phrases, tout en conservant leur cohérence. Ainsi, explique le psychologue Gary Marcus (Université de New York) dans une analyse accompagnant l'étude, la phrase "l'amour conquiert tout" peut-elle s'incorporer à une autre pour devenir "Chris sait que l'amour conquiert tout". En répétant le schéma, on obtient par exemple: "Terry sait que Chris sait que l'amour conquiert tout". Et ainsi de suite. L'équipe de Gentner a fait écouter à ses sansonnets des séquences de chants (gazouillis et jacassements) distribuées selon cette structure, et d'autres où les séquences étaient simplement ajoutées à la fin de la phrase musicale. Lorsque les étourneaux reconnaissaient une structure récursive, ils devaient piquer du bec sur un bouton, obtenant une récompense. Après des dizaines de milliers d'essais éducatifs, neuf des onze oiseaux étaient capables de distinguer les séquences structurées des autres. De précédents essais similaires sur des singes, menés en 2004, n'avaient abouti à aucun résultat, semblant corroborer la théorie de la spécificité humaine. L'étude publiée jeudi pose de nombreuses questions sur l'évolution du langage, note Gary Marcus. Des recherches devront être menées notamment pour savoir si cette capacité est partagée par tous les animaux capables d'acquérir de nouvelles structures de vocalisation, à savoir les oiseaux chanteurs et, peut-être, les cétacés. ip/bb/cm AFP

fevereiro 07, 2006

Actos de Cinema. Crónica de um Espectador - Entrevista

Edmundo Cordeiro
Actos de Cinema. Crónica de um Espectador
Angelus Novus, 2005

Sobre o livro

Tratar-se-á verdadeiramente de imagens no cinema? Não sabemos. Um grande crítico de cinema, Serge Daney, dizia que aquilo a que pomposamente se chama «essência» do cinema é o que faz com que haja filmes idiotas quando os contamos e emocionantes quando os vemos. Pode inverter-se a proposição: os mais interessantes filmes contados podem tornar-se nada interessantes ou mesmo idiotas ou nulos quando os vemos. Qualquer coisa se passa quando os vemos, qualquer coisa se passa onde os vemos.

Isso tem tudo que ver com a arte e o talento dos autores dos filmes. Mas também com aquilo que o cinema é, com aquilo que o cinema faz. O que é que nos toca num filme? O que é que um filme faz connosco? O que é que pedimos aos filmes? Para Gilles Deleuze, cujo pensamento estético guiou as páginas deste livro, o cinema instaura um processo de auto-movimentação e de auto-temporalização da imagem.

É a partir daí que podemos perceber os actos de cinema: o que vamos fazer ao cinema e o que o cinema faz.


-----------
Ver em:
http://www.angelus-novus.com/livros/detalhe.php?id=28
----------------------------------------------------------------------

Breve Entrevista com Edmundo Cordeiro




P - Por que é que escreveu este livro? O cinema é uma paixão?

R - Dizer que o cinema é uma paixão talvez seja verdade, no meu caso e no de muitos. Mas só escrevi este livro porque me interessava saber de que é que essa paixão é feita, o movimento dessa paixão. Por outro lado, tal como me interessa o cinema, também me interessa o pensamento de Gilles Deleuze. Com ele pude aprender a forma de pensar do cinema. Que um filósofo da sua dimensão tenha dedicado dois livros ao cinema isso indica também que a forma de pensar do cinema não é uma coisa só do cinema. Mas, no fundo, eu queria era tê-lo escrito como um investigador negligente, aquele que sabe nada poder saber. Como para isso tem de se saber muito já, fiquei-me por aqui…



P - Depois disto tudo, como definiria o cinema? Imagem-movimento?

R - Não consigo dizer o contrário. Não é de excluir, porém, que tudo isto seja uma ilusão. Mas há uma definição que pode ajustar-se melhor ainda: o cinema é a arte
de amar aquilo que somos e de amar aquilo que não somos.


P - Considera o cinema como uma forma de cultura? Qual a relação entre estes
dois conceitos?

R - O cinema é da cultura, inevitavelmente. Há mesmo cinemas que são unicamente provenientes da cultura. Normalmente a cultura tende a abafar o cinema, a dominá-lo, a torná-lo conforme, pronto a aparecer em enciclopédias e nos jantares onde se fala de cultura... e de cinema. Mas depois há a arte, que pode estilhaçar completamente a cultura. Há uma força no cinema que é completamente anti-cultura, que faz a cultura andar às aranhas. É certo que muitas vezes é recuperado, mas há sempre um dia em que a corrente de ar sopra mais forte.
De qualquer forma, os efeitos férteis do cinema vão muito além da cultura e implicam o pensamento, a percepção e a sensação.


P - Qual o tipo de filmes que prefere? Há algum realizador que tem como
referência?

R - Tudo, tudo, não é o tipo que me faz preferir. Gosto de filmes autênticos e completamente artificiais, filmes verdadeiros, quer me façam rir ou chorar, quer me arrepiem ou comovam, dado que o riso e o choro também se inventam. Talvez Jean-Luc Godard, para não dizer Roberto Rossellini, ou... Jonas Mekas e Philippe Garrel comovem-me muito.


P - Qual a importância da fotografia no cinema? Há alguma distinção entre fotografia e cinema? Há alguma distinção entre a fotografia cinematográfica e a fotografia simplesmente fotografia?

R - A importância é esta, fundamental: é o «instantâneo» que está na origem do cinema.

Apanhar o tempo. Fotografia quer dizer escrita da luz ou escrita com a luz, e cinema quer dizer escrita do movimento ou escrita com o movimento. E depois, no cinema, há o plano (o decorrer do tempo) e a montagem (que é revelação e salto no tempo, e trabalho sobre o plano). Quer dizer, não é a mesma realidade de imagem. Mas ambos os meios são poderosos por igual e detém iguais possibilidades artísticas. Uma coisa não substitui a outra.

A fotografia cinematográfica visa a imagem que passa no ecrã, a fotografia, por seu lado, visa a imagem de uma paragem, visa apresentar uma paragem. Isto é fundamental: são movimentos de criação que obedecem a impulsos distintos, mas necessários. O cinema pode ter-nos libertado de muita coisa, mas não nos «libertou» da fotografia. Não precisávamos da fotografia antes da sua descoberta, mas hoje precisamos de ver fotografias e talvez cada vez mais, mesmo por causa do cinema. O que é fantástico nisto é que nenhuma arte anula outra. Pelo contrário, desenvolvem-se conjuntamente, paralelamente e aparalelamente.


P - Na sua opinião, qual é a atitude do espectador de cinema nos nossos
dias? O que pensa que o espectador espera encontrar quando vai assistir a um
filme?

R - Não deve ser só uma a atitude do espectador. As razões são muitas e cada qual sabê-las-á bem ou não. Pensando numa atitude que pudesse dizer respeito a todo o espectador, diria: a necessidade de sair do seu círculo interior e exterior, uma coisa que o turismo já não parece garantir. Acho que o espectador espera encontrar duas coisas, às vezes separadamente, às vezes juntas. Uma delas, a surpresa. Outra, encontrar o que antecipou.


P - Acha que existe algum tipo de relação entre cinema e psicanálise?

R - Existe, existe. Tem de ser! O cinema deu créditos à psicanálise e esta pôde
investir e tirar daí muitos rendimentos. Às vezes convém não fazer caso disso, porque o «simbólico» pode não deixar ver nada num filme que é para ver. Mas mesmo assim, um grande cineasta como Garrel diz que o cinema é Freud mais Lumière. Mas, claro, Freud não é só o que a cultura fez saber que é.


P - Qual a principal diferença entre cinema independente e o conceito de
cinema de "massas"?

R - Julgo que não podem colocar-se simplesmente em oposição e diria que a principal diferença é mesmo a «massa», o dinheirinho. Quem criou Hollywood foram os «independentes». Não estavam de acordo com o monopólio, quer dizer, precisavam de fazer outra coisa, queriam fazer outra coisa, queriam fazer eles. Uma coisa é certa: o dinheiro é fundamental, mas não é mais ou menos dinheiro que garante a imagem, nem no cinema independente, nem no cinema de «massas».

Ver:
http://www.angelus-novus.com/entrevistas/index.php?id=28

janeiro 29, 2006

Recensão de "Platon et Le Simulacre" de Gilles Deleuze ( Luis de Barreiros Tavares)

Recensão de Platon et Le Simulacre de Gilles Deleuze

Luis de Barreiros Tavares


«Com efeito, qual é a árvore verdadeira? Aquela que é vista quando estamos parados e podemos detalhar visualmente cada ramo, cada folha, ou aquela de que nos apercebemos no desfilar estroboscópico do pára-brisas da viatura, ou ainda na estranha lucarna televisiva?»

Paul Virilio, A velocidade de Libertação, Lisboa, Trad. de Edmundo Cordeiro, Rel.D'água, 2000, p. 123.

1.Se neste texto Deleuze pretende demonstrar que Platão, na sua obra «O Sofista», entre outras, anuncia a possibilidade da inversão do platonismo, esse anúncio, ainda segundo o pensador francês, não deixa, no entanto, de ser a advertência para o risco que se pode correr de, na própria "Teoria das Ideias", se proceder a essa inversão. Todavia, é necessário passar por esse risco, para que, precisamente, se salvaguarde o pensamento platónico. Mas porque é que Platão procede à inversão pontual do seu pensamento? Porque é no seio da sua doutrina que se encontra a possibilidade do princípio «desviante» da sua inversão. A condição de possibilidade, em terminologia kantiana, da inversão se dar. Trata-se, por conseguinte, de passar brevemente pela inversão, para retornar àquilo que o autor defende: «fazer triunfar os ícones sobre os simulacros». Portanto, se Platão é o primeiro a «antever» a inversão do platonismo (« Et que Platon le premier indiquât cette direction du renversement du platonisme?», é com o objéctivo de, com a explicitação da sua possibilidade, passar por essa inversão, sem abrir caminho por ela, mas dela se retirar, evitando-a. Quer dizer, usa a partir dessa breve mas profunda incursão metodológica (divisão) , uma maneira, dir-se-ia, de inverter essa inversão. Negar de vez essa possibilidade. Mas não se trata aqui de uma espécie de Aufhebung hegeliana: a negação que supera conservando. Dir-se-ia, não sem ironia (« ne fallait-il pas pousser l’ironie jusque-là?»), que Platão como que «simula» aceder à inversão (à iminência dos simulacros ). Nesse sentido, ele usa o próprio simulacro para dele se libertar. Para o matar de raiz de cada vez que ele se insurja. Mas, ironia das ironias, deixa em aberto essa «potência positiva » (expressão deleuziana) do simulacro na sua condição imprevisível do dissemelhante: « le simulacre n’est pas une copie dégradée, il recéle une puissance positive qui nie et l’original et la copie, et le modèle et la reproduction.»p302. E ainda: «Il ne suffit même pas d’invoquer un modèle de l’Autre, car aucun modèle ne resiste au vertige du simulacre». O simulacro como que se dissimula no seu processo estranho, porque díspare, de desencadeamento de dissemelhança(s). Os simulacros são «sempre-já» outros. E o “outro” do simulacro – embora este não se diga do modelo do Outro - é o díspare na sua dis-simulação.

2.« Distinguer la «chose» même et ses images, l’original et la copie, le modèle et le simulacre. Mais toutes ces expressios se valent-elles?» Não. Do ponto de vista de Deleuze, esse é o objéctivo genérico da "Teoria das Ideias" . Todavia : « le projet platonicien n’apparaît vraiment que si nous nous reportons à la méthode de la division.» (p.292). A divisão constitui o método de filtragem, de triagem . Como que a segunda passagem por um crivo, que dissipa de vez o risco de confusão simulacros-imagens-modelos. Os falsos pretendentes seriam os que iludiriam a ilusão - passe a expressão - da semelhança imagem-modelo. Esta semelhança imagem-modelo seria a instância ilusória aceite por Platão; seria a instância da ilusão legítima; seria a ilusão em ordem à semelhança, a qual se manteria fiel ao primado do Mesmo como Modelo. Mas porque é que os simulacros constituiam uma ameaça aos verdadeiros pretendentes, quando, afinal, eles não passavam de uma dupla ilusão, acabando esta por ser inofensiva? Com efeito, a perigosidade dos simulacros parecia não existir propriamente, pois seria uma ilusão ilusória . Quanto muito, o perigo só existiria porque os falsos pretendentes estariam fora da rivalidade (amphisbetesis): « une dialectique des rivaux ou des prétendants (os verdadeiros concorrentes da semelhança (ressemblance)). Os simulacros ou falsos pretendentes seriam então caminhos que não conduziam a parte nenhuma . Ou, quiçá, talvez por isso mesmo, a lugares perigosos. Ao lugar, entre outros, onde o falso pretendente se faria passar pelo verdadeiro pretendente. Daí a necessidade de triar pretensões: «trier les prétentions , distinguer le vrai prétendant des faux (pseudos)» p.293. Porque, de facto, o simulacro é da ordem da dissemelhança interna. Deste modo, abria-se a possibilidade do próprio modelo deixar de fazer sentido e ser substítuido pelo simulacro. Veja-se o exemplo do sofista(«Le sophiste lui-même est l’être du simulacre(…)»p.295) confundindo-se com Sócrates enquanto «encarnação do modelo»: «La définition finale du sophiste nous méne au point où nous ne pouvons plus le distinguer de Socrate lui-même: l’ironiste opérant en privé par arguments brefs». p295(sublinhados meus).

3. Assim, afiguram-se como que duas existências. Ou melhor, duas aparências ideais. E é essa aparente co-existência identitária que produz o efeito paradoxal de algo idêntico e uno, por um lado, e diverso e díspare, por outro, simul-taneamente. E aqui entram os falsos pretendentes. Porquê? Porque, com efeito, não se trata tanto da relação Modelo-cópia , Essência-Aparência: «Le probléme ne concerne plus la distintion Essence-Apparence, ou Modèle-copie. Cette distintion tout entiére opére dans le monde de représentation; il s’agit de mettre la subversion dans ce monde…»p.299. É por uma perversão e subversão, desvio de rota, que se insinuam os simulacros. Como que um movimento de aparente ultrapassamento do binómio cópia-modelo. O simulacro, ao mesmo tempo que operava uma cisão na relação ícone-modelo, operava uma fusão dos dois um no outro. Ao ponto de pôr em causa a legitimidade do ícone e do original:« Platon dans l’eclair d’un instant découvre qu’il (o simulacro) n’est pas simplement une fausse copie, mais qu’il met en question les notions mêmes de copie… et de modèle»p.295.O ultrapassamento por «entre» ( dissemelhança interna) o binómio cópia-modelo, aparência-essência é o modo como o simulacro se insurge, se insinua. E é em relação a esta ameaça de subversão que é necessário proceder, segundo Deleuze, ao método da divisão (division). Triagem para distinguir os verdadeiros dos falsos pretendentes. Os falsos pretendentes seriam como que caminhos a não seguir; a divisar. Pelo simples facto de não caberem na lógica da semelhança (ressemblance) imagem-modelo, mas sim na ordem da dissemelhança (dissemblance). Perdas de tempo, perigosas por isso mesmo. E que seria preciso detectar a todo e qualquer momento. Seria um risco acrescido na procura excessiva da Ideia ou no repouso indiferente na imagem? Uma outra imagem? De facto o simulacro (phantasma) é de uma outra ordem de imagens. Estas incursões nos discursos e imagens-simulacro seriam manobras táticas para neles não se cair como presa: detectar aquilo que de maneira nenhuma é, fazendo-se passar por ser. Ora cópias, ora modelos, ora nem uma coisa nem outra: simulacros.

4.O simulacro encontrar-se-ia no meio dos extremos (modelo e cópia), percorrendo essa distância «entre» e, por outro lado, estaria paradoxalmente nos dois extremos. Ora, assim sendo, na medida em que os extremos se encontram (se tocam), passa cada um para o lado do outro e, deste modo, já não se trata de extremos que se tocam, mas sim de séries que se cruzam. Porque as séries internas extravasam as delimitações dos extremos, criando-se, assim séries externas , não deixando umas e outras (as internas e as externas ) de se percorrerem mutuamente, sendo infinita e multiplamente variáveis nas suas combinatórias: « Entre ces séries de base se produit une sort de résonance interne; cette résonance induit un mouvement forcé, qui déborde les séries elles-mêmes» p.301. (sublinhados meus). Donde a necessidade do requestionamento dos conceitos de exterioridade e de interioridade. Pode-se compreender a partir daqui a razão pela qual Deleuze virá mais tarde a abandonar o conceito de simulacro, avançando com o de «Devires». O conceito de «devires» virá possivelmente suplantar o impasse deixado pelo de «simulacro». Esse impasse consiste precisamente na herança platónica que não concedeu a reflexão suficiente acerca do simulacro, deixando-o na esfera da diferença radicada na dualidade latente do uno e do múltiplo e no permanente remeter ao primado do Idêntico. Pois conforme escreve Zourabichvili, F.; Le Vocabulaire de Deleuze;Paris;Ellipses,p.84: « Il est significatif (…)que le simulacre ait été complètement abandodonné aprés Logique du Sens (…). Deux raisons peuvent être avancées: il se prêtait à trop d’équivoques, mais surtout il participait encore d’une exposition négative de l’«anarchie couronnée», toute tournée vers la démonstration critique du caractère produit ou dérivé de l’identité. Vacante, la place est investie par le concept de devenirs.» (sublinhados meus). Não abrindo caminho às «multiplicidades »(conceito tão caro a Deleuze). Bem como ao conceito de «Virtual». Porquanto, os simulacros, hoje, com o desenvolvimento da técnica e das novas tecnologias, dimensionam-se em esferas diferentes dos contextos da época de Platão.

5.Ora, a motivação que constitui a inversão do platonismo é, justamente, essa delimitação do campo de acção do sofista. Uma caça ao Sofista. A inversão, no sentido de «l’abolition du monde des essences et des apparences», não passaria dum platonismo voltado do avesso e ponto. O que importa é manter a motivação (motivation) da inversão mediante o método da divisão. E não estabelecer a inversão por ela própria : «Renverser le platonisme doit signifier au contraire mettre au jour cette motivation,«traquer» cette motivation – comme Platon traque le sofiste»p.292. Mas Platão volta ao primado do Mesmo após esse périplo (a inversão pelo método da divisão), ao qual, por sua vez, é sempre possível retornar (eterno retorno?), para garantir sempre o objéctivo da afirmação do Mesmo, do qual, por seu turno se dizem os verdadeiros pretendentes. Pois : «Le modèle platonicien c’est le Même». Ou seja, pelo método da divisão, procede-se à experiência tática da inversão com o objéctivo de, através dessa triagem e desse «traquer le sofiste», garantir a prevalência dos ícones sobre os simulacros e, por assim dizer, retornar à ordem da semelhança cópia-modelo, da cópia como« le semblable: le prétendant qui reçoit en second» e se diz do Mesmo.

TEXTO DE

Luis Manuel Almeida de Barreiros Tavares



© 2005 FCSH - UNL Portugal
http://tir.com.sapo.pt/deleuze.html

janeiro 26, 2006

FILOSOFIA E NÃO FILOSOFIA : A IMAGEM CINEMATOGRÁFICA — breve apresentação da forma do trabalho deleuziano. (Edmundo Cordeiro)

FILOSOFIA E NÃO FILOSOFIA : A IMAGEM CINEMATOGRÁFICA — breve apresentação da forma do trabalho deleuziano. (Edmundo Cordeiro)

(ainda sem as notas)

Em L’Image-mouvement e L’Image-temps , obras sobre o cinema, sobre as suas imagens — mas também, sobre o movimento e o tempo —, Gilles Deleuze serve-se sobretudo de dois autores, Bergson (1859-1941) e Peirce (1839-1914). Do primeiro, Deleuze retira consequências relativamente ao cinema, consequências essas que decorrem da teorização bergsoniana acerca do movimento e das imagens, prolongando, se assim se pode dizer, a sua reflexão; o segundo, Peirce, serve a Deleuze para a classificação dos signos específicos de cada tipo de imagem, signos esses que decorrem — uma vez que os signos remetem para uma assinatura, como refere Deleuze — do trabalho de grandes criadores, de grande realizadores. Bergson vai pensar a conjunção do movimento e da imagem, uma imagem-movimento. E é justamente isso que Deleuze retoma, mas agora procurando fazer a conjugação da imagem-movimento com a imagem cinematográfica: Se, para Bergson, o problema era estritamente filosófico, consistindo numa tentativa de fornecer uma metafísica que correspondesse à concepção da ciência moderna acerca do movimento — os momentos sucessivos têm todos a mesma importância —, para Deleuze, em contrapartida, o problema já não é somente filosófico: Deleuze vê o cinema não como «o aparelho mais aperfeiçoado da mais velha ilusão», conforme a crítica de Bergson, mas como «um órgão que aperfeiçoa uma nova realidade .» É que, para Deleuze, os conceitos que são próprios do cinema não se esgotam na sua definição técnica. O cinema, mais do que servir para pensar, pensa ele próprio, é também um órgão de pensamento (e, desse modo, um órgão que cria realidade — «o cinema é produtor de realidade .» L’image-temps termina com estas palavras: «O cinema é uma nova prática das imagens e dos signos, da qual a filosofia deve fazer a teoria enquanto prática conceptual. Pois nenhuma determinação técnica, nem aplicada (psicanálise, linguística), nem reflexiva, é o bastante para constituir os conceitos próprios do cinema. » Para Deleuze isto é o mesmo que dizer que a filosofia deve encontrar-se com essa prática conceptual que é própria do cinema. O que exclui, segundo a sua perspectiva, a "reflexão" ou a "representação" (não se trata de "reflectir" o cinema na filosofia, não se trata de fornecer uma "representação" filosófica do cinema). Trata-se, na sequência disto, de pensar as imagens do cinema e os seus poderes, pensar com essas imagens, em correspondência com alguns problemas que a filosofia coloca ou cria . Os problemas que a filosofia coloca ou cria: justamente, Deleuze inicia L’Image-mouvement com um comentário das teses do filósofo francês (Bergson) sobre o movimento. A razão disso é dada por Deleuze logo no "prólogo": «Apesar da crítica demasiado sumária que Bergson fará mais tarde [posteriormente a Matière et mémoire, 1896] ao cinema, nada pode impedir a conjunção da imagem-movimento, tal como ele a considera, com a imagem cinematográfica. » Aí temos uma correspondência: o problema filosófico do movimento (e do tempo) e a imagem cinematográfica. A Imagem-movimento, pensada por Bergson, não é a imagem do movimento (um corte ou uma sucessão de cortes), nem é o movimento da imagem (uma animação artificial, técnica, desses cortes), mas é, antes, tudo junto, imagem-movimento . E para Deleuze o cinema cria o auto-movimento da imagem, é determinado, em primeiro lugar, pela imagem-movimento . Esta ligação do cinema à imagem-movimento vai no entanto ser quebrada em favor de uma imagem-tempo, uma apresentação directa do tempo — a imagem-movimento apresentaria o tempo também, naturalmente, mas indirectamente — (e temos aqui uma nova correspondência, no sentido atrás mencionado). Essa imagem-tempo cinematográfica é pensada em L’Image-temps. Tudo isso tem que ver com as transformações que o cinema sofreu, igualmente com as transformações do mundo, mas também, e sobretudo no entender de Deleuze, com aquilo que com o cinema foi feito por intermédio do trabalho dos seus criadores. Esta passagem de uma imagem-movimento a uma imagem-tempo tem igualmente como substrato uma ideia bergsoniana: a de "totalidade aberta". Uma das suas teses sobre o movimento, em L’Évolution créatrice, 1907, dizia que o movimento (o deslocamento no espaço) expressa uma transformação no todo (uma mudança qualitativa na duração [durée]) e, por outro lado, que esse todo não pode ser concebido enquanto um todo fechado, mas aberto, em constante mudança, o que supunha, no entender de Deleuze, «(…) a existência de relações comensuráveis ou cortes racionais entre imagens, na própria imagem e entre a imagem e o todo .» Mas há que introduzir outro factor: o da evolução do cinema — por conseguinte, o da evolução das suas imagens. «Houve esse modelo, mas há e haverá tantos modelos quantos aqueles que ele [o cinema] inventar .» É o que se passa com o cinema moderno: ele «(…) mostra toda uma série de cortes irracionais, relações incomensuráveis entre as imagens.(…) o essencial já não é a imagem-movimento, mas antes a imagem-tempo. Deste ponto de vista, o modelo de uma totalidade aberta que decorre do movimento deixa de ter validade: deixa de haver totalização — nem interiorização num todo, nem exteriorização do todo. Deixa de haver encadeamento de imagens por intermédio de cortes racionais, passa a haver re-encadeamentos de imagens por intermédio de cortes irracionais (Resnais, Godard) .»

janeiro 23, 2006

Deleuze. A Arte entre Crítica e Clínica

II Colóquio Internacional de Filosofia e Ciências do Homem

Deleuze. A Arte entre Crítica e Clínica

24 de Janeiro 2006

Instituto Franco Português
Av. Luís Bivar, nº 91, 1000 Lisboa (telf: 21.3111400)

Organização

Centro de Filosofia das Ciências da Univ. Lisboa

Instituto Franco Português de Lisboa

Comissão Científica
Nuno Nabais mail
François Zourabichvili


Programa

9.30 –
Abertura: Philippe Relliquet (IFP), François Zourabichvili, Nuno Nabais (CFCUL)
10h
David Lapoujade (Sorbonne/Paris I) – Deleuze : d’un concept à l’autre.
10.45h

Sousa Dias (Escola de Artes Soares dos Reis, Porto) – “Partir, evadir-se, traçar uma linha ...”. Deleuze e a Literatura
11.30h

Edmundo Cordeiro (Lusófona, Lisboa) – O Cinema entre Crítica e Clínica.
12.15h

José Luís Pardo (Complutense, Madrid) – Lógos y Diferencia: el Modelo Artístico

Almoço

15h

Peter Pál Pelbart (PUC, S.Paulo) – Literatura e Loucura: da Exterioridade à Imanência.
15.45h

Catarina Pombo (Doutoranda, Paris VIII) – A Literatura Impossível: Bene, Melville e Beckett

16.30h

Eduardo Pellejero (Doutorando, Universidade de Lisboa) – A Realidade Política da Expressão. Literatura e Fabulação

17.15h
François Zourabichvili (Paul Valéry/Montpellier) – Kant avec Masoch

19h
Projecção do filme Abécédaire de Deleuze – Extraits sur l’Art.
Jantar

22h
Diogo Dória lê Deleuze, acompanhado pela manipulação sonora de Bejamin Brejon (Mécanosphère) e Miguel Cardoso (Soopa)