maio 27, 2005

A ideia, a matéria e a forma - Jean Marie Straub

A ideia, a matéria e a forma
Jean Marie Straub
"Aí já havia liberdade.
A liberdade é como a liberdade de um músico: só é livre quando domina a sua mecânica.
Não há liberdade em abstracto.
As coisas só existem quando já têm um ritmo, uma forma.
"A alma nasce da forma do corpo."
Já disse isto quarenta mil vezes.
Quem descobriu isto foi um tal Tomás de Aquino e, como era napolitano, sabia do que falava.
Quando alguém nos diz: "A forma é tudo, a ideia não conta", é pura cobardia, não é verdade, tem de se ver bem as coisas: a ideia existe!
Depois, há uma matéria e depois, uma forma. E daí, não há nada fazer, ninguém lhe pode dar a volta.
A ideia é o que faz Eisenstein quando tem uma primeira continuidade, é a sua montagem das atracções, depois há a matéria, ele tem de determinar a duração dos planos que alinhou, isso é a matéria.
E o que nós estamos aqui a fazer é a ideia que estva no papel, a construção do filme, a continuidade dos planos e, a seguir, trabalhamos sobre uma matéria.
Temos uma matéria que nos resiste e não se pode cortar ao calhas entre dois planos, já tinha dito isto, antes de vir para este cubículo...
Depois desse trabalho, da luta entre a ideia e a matéria e da luta com a matéria, nasce a forma!
E o reso é palha para burros.
Gostava que isto ficasse claro.
Não se pode andar por aí a dizer: "Pode ser assim ou assado e frito e cozido". Não, e não!
Com um escultor, é o mesmo.
Tem uma ideia, arranja um bloco de mármore e depois trabalha a matéria.
Tem de ter em conta os veios do mármore, as fissuras, as camadas geológicas, etc.
Não pode ser às três pancadas.
Fico danado quando ouço coisas dessas...
"A coisa não existe porque há uma forma."
E donde é que veio essa forma?
Se não foi trabalhada, se não saiui de uma matéria, não há forma nenhuma, é informe.
No início, a Terra era informe, e vazia.
A sia forma informe, informe, infame, invertebrada.
Se queremos trabalhar com nuances, condensações, dilatações ou deflagrações, não podemos andar para aí a dizer que "tudo está em tudo", que é tudo a mesma coisa.
Quem fala assim é gente sem moral, incapaz de ter emoções, contidas ou violentas."

Jean Marie Straub
in Pedro Costa, Jean Marie Straub, Daniéle Huillet,Onde jaz o teu sorriso? Diálogos, Lisboa, Assírio e Alvim, 2004, pp. 21-25.

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