maio 16, 2014

A dor dói menos fundo se a vítima considerar que, quem a causou, não o fez intencionalmente



"A mulher – conhecimento/sabedoria – tem um substrato de facto, 
enquanto o homem precisa de partir sem demora em busca de si mesmo.
A mulher é para ele uma iniciação [...], um catalisador."

Étienne Guillé, O homem entre o céu e a terra : uma nova abordagem da realidade, Lisboa, Dinalivro, 2008.



Navegando pela Web, encontrei há uns tempos atrás um estudo curioso na área da psicologia. Segundo essa investigação, "a 'dor dói mais fundo' se a vítima considerar que quem a causou fê-lo intencionalmente".


Recordei-me então de muitas conversas com amigos meus. Uma das queixas que mais escuto diz respeito às relações de casal. Muitos deles, a maioria do sexo feminino, descrevem e queixam-se de situações de relacionamento amoroso abusivo, manipulatório e até violento física ou psicologicamente. Porque razão acabam por prolongar esses relacionamentos, de certo modo, formas de "bullying" a dois, sabendo que estão a sofrer injustamente?


Em grande parte dos casos, estes jovens, muitos deles com formação universitária, negam essa situação de abuso ou falam disso de uma forma ligeira. Relativizam a dôr que sentem escondendo-se, nalguns casos por detrás de um sexualidade intensa. Aceitam passivamente essa situação muitas vezes culpabilizando-se, em nome do "amor romântico" e até "incondicional" (na sua versão "new age"), com medo de ficarem sós. Muitas vezes, respondem à agressão e manipulação entrando numa espécie de "bola de neve" em que tudo se mistura e confunde. Ou entram na lógica masculina reivindicando o mesmo estatuto do manipulador.  Ao fim de vários relacionamentos destes tipos, adquirem a frieza mental que lhes permite ser insensíveis à dor.


Segundo um estudo recente, "a “dor dói mais fundo” se a vítima considerar que quem a causou fê-lo intencionalmente. [...] Por isso, as vítimas "em relacionamentos abusivos, por vezes, continuam a mantê-los. "Fazem tudo, por 'amor', para desculpar o parceiro. Justificam-se dizendo que 'o parceiro violento não tinha a intenção de lhes causar danos'. Deste modo, algumas vítimas podem reduzir a sua experiência de dor, o que poderia torná-las menos propensas a deixar o relacionamento e escapar do abuso." Aceitam de uma forma mais ou menos camuflada o comportamento do manipulador como normal. E até os defendem embora no seu íntimo sintam que estão errados. É como se esperassem um milagre.


Talvez assim seja possível entender, em grande medida, o comportamento passivo de muitas pessoas, maioritariamente do sexo feminino, objecto de manipulação e de violência sexual, física ou psicológica.


Usando uma metáfora, estamos perante o síndroma da "enfermeira" ou "enfermeiro" (o conhecido "síndroma de Estocolmo") que desculpa o agressor quase sempre o "homo sapiens" "normal" (ou normótico) e narcisista. Dizem, como justificação, que o querem salvar ou curar para o "verdadeiro amor". Chegam até, na imensa maioria dos casos, a negar  que são vítimas e, para o exterior, apresentam uma máscara de "felicidade".


Trata-se de uma falsa felicidade. Essa forma submissa e cheia de "amor e carinho" é terrivelmente perigosa conduzindo a uma estrada sem retorno. O dano é, na grande maioria dos casos, totalmente intencional por parte do abusador ou manipulador. Estamos perante formas psicopatas disfarçados de cidadãos normais ou com a capa de uma pseudo-rebeldia. "Pode ser o primeiro acto de muitos, pelo que é necessário atenção".


E muita mais atenção é necessária nos casos em que as vítimas se deixam "enrolar" emocionalmente pela conversa "suave" e manipulatória de "rebeldes". Essas vítimas calam a sua voz interior manipuladas pela conversa: "eu tenho-lhe um autêntico amor e, por isso, só eu posso salvá-lo (a).".


O verdadeiro amor incondicional, um amor-amizade, não tem nada a ver com esse tipo de relações. Exige, sem conversas de "enrolar", um respeito absoluto, em actos reais, pela liberdade do outro. 







Étienne Guillé é professor adjunto de fisiologia-bioqímica, doutor ex-sciences, autor de L'Alchimie de la Viee de L'Energie des Pyramides et l'Homme. É professor-pesquisador da Universidade de Paris-Sul.

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