janeiro 29, 2013

"Nasci em um tempo em que a maioria dos jovens haviam perdido a crença em Deus."










"Deus, humanidade, niilismo e outros temas..."




"Nasci em um tempo em que a maioria dos jovens haviam perdido a crença em Deus, pela mesma razão que os seus maiores a haviam tido — sem saber porquê



E então, porque o espírito humano se auto-limita tendendo naturalmente para criticar porque sente, e não porque pensa, a maioria ainda escolhe a Humanidade para sucedâneo de Deus.

Continuo a achar que a Humanidade, sendo uma mera ideia biológica, e não significando mais que a espécie animal humana, não é mais digna de adoração do que qualquer outra espécie animal.


Este culto da humanidade, com seus ritos de Liberdade e Igualdade, pareceu-me sempre uma revivescência dos cultos antigos, em que animais eram como deuses, ou os deuses tinham cabeça de animais. 


O culto do humanismo, presente na maioria dos portugueses, é um autêntico vírus, um novo ópio do povo. Permite uma consciência tranquila perante o horror quotidiano.

A opção não é entre um Deus todo poderoso e uma crença difusa na espécie humana, uma crença falsa porque desmentida todos os dias pelas acções. Ser inumano é ser mais humano do que os humanistas.

Pertenço àquela espécie de homens que estão sempre na margem daquilo a que pertencem, nem vêem só a multidão de que são, senão também os grandes espaços que há ao lado. Por isso nem abandonei Deus tão amplamente como ele, nem aceitei nunca a Humanidade. 

Assim, não sabendo crer em Deus, e não podendo crer numa soma de animais, fiquei, como outros da orla das gentes, naquela distância de tudo a que comummente se chama a Decadência. A Decadência e a perda total da inconsciência; porque a inconsciência é o fundamento da vida. O coração, se pudesse pensar, pararia.



Mas portugueses: não fostes vós quem iniciou esta consciência planetária, mais do que humana, quando mostrastes ao mundo a terra redonda? Os mares nunca antes navegados não eram o fim do mundo? Quando partilhastes uma percepção cósmica do mundo, tendo as estrelas como guias? Quando nos permitiram mais tarde ver que os autênticos monstros oceânicos estavam dentro de nós? 



Texto inspirado em Fernando Pessoa (Pedro Rodrigues Costa e José Pinheiro Neves)
Versão de 12 de Fevereiro de 2014

Texto original:

Nasci em um tempo em que a maioria dos jovens haviam perdido a crença em Deus, pela mesma razão que os seus maiores a haviam tido — sem saber porquê. E então, porque o espírito humano tende naturalmente para criticar porque sente e não porque pensa, a maioria desses jovens escolheu a Humanidade para sucedâneo de Deus. Pertenço, porém, àquela espécie de homens que estão sempre na margem daquilo a que pertencem, nem vêem só a multidão de que são, senão também os grandes espaços que há ao lado. Por isso nem abandonei Deus tão amplamente como ele, nem aceitei nunca a Humanidade. Considerei que Deus, sendo improvável, poderia ser, podendo pois dever ser adorado; mas que a Humanidade, sendo uma mera ideia biológica, e não significando mais que a espécie animal humana, não era mais digna de adoração do que qualquer outra espécie animal. Este culto da Humanidade, com seus ritos de Liberdade e Igualdade, pareceu-me sempre uma reviviscência dos cultos antigos, em que animais eram como deuses, ou os deuses tinham cabeças de animais.
Assim, não sabendo crer em Deus, e não podendo crer numa soma de animais, fiquei, como outros da orla das gentes, naquela distância de tudo a que comummente se chama a Decadência. A Decadência e a perda total da inconsciência; porque a inconsciência é o fundamento da vida. O coração, se pudesse pensar, pararia."

Fernando Pesssoa, Livro do Desassossego, in http://arquivopessoa.net/textos/2518 

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